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terça-feira, 11 de novembro de 2014

SINAIS DO MAGO

http://oglobo.globo.com/fotos/2009/04/28/28_PHG_rio_maritacas.JPG



Quando meu pai faleceu, eu vinha de um tombo grande, ainda lambendo feridas. A esse tombo se juntou essa bomba nova: era eu sem pai, pela primeira vez no planeta.
Eu estava triste, mas acima de tudo confusa e muito assustada. Como ia ser esse mundo sem pai?
Sempre preferí me entender sozinha, ou talvez tenha sido obrigada a isso, não sei. Mas, seja como for, resolvi viajar e ficar uns dias na praia, todos nós: eu e eu e a confusão e o medo.
Fomos para a praia da minha infância, a praia que tinha devolvido, a mim e a ele, uma relação que - se a vida não fosse tão apressada em acabar - talvez tivesse encontrado um espaço particular que a gente nunca tinha podido abrir.
Lá fui eu, sem avisar ninguém, só minha mãe, o eterno (pensava então) farol prá onde voltar.
Praia no inverno é melhor, porque eu nem pensava mesmo em sair por aí sem roupa, razões que se explicarão adiante.
Eram dias de céu muito azul e sol espalhado, quase calor, mas uma brisa feita de mar e um pé no frio. Eu ficava muito tempo olhando a areia, o mar e o quase nada de gente por ali. Pensava sem pensar em coisa nenhuma, o melhor jeito que eu sei de me deixar pensar, sem ficar perturbando.
Eu preferia o sossego de gente nenhuma, mas no hotel em que me hospedei estavam uns poucos grupinhos e um casal, provavelmente em lua-de-mel.
Os dois eram muito jovens e bonitos, porque a juventude nos deixa belos mesmo quando não o somos, simplesmente porque é nisso que acreditamos. Então, eram belos. E era gostoso vê-los, no pouco que eu saía do meu não-pensar e via algo do mundo aqui fora.
Um dia, sentei na praia em frente ao hotel, embaixo de um quiosque de sapê. Era um dia mais quente e eu estava especialmente triste; as saudades doíam tanto, mas tanto. Coisa mais cretina que é saudade. Uma dor que fustiga e rói sem dó e não há o que melhore, só a lerdeza do tempo, sistema mais infernal.
Então sentei quietinha, na areia mesmo, e tentei chorar por trás dos óculos escuros, em silêncio, prá não incomodar nem siri. Como o tempo esquentou, eu tirei a camiseta, porque estava de maiô por baixo e uma saia feita da canga.
No meio da minha choração discreta, eu comecei a ouvir um risinho, mas eu estava não-pensando, então nem registrei muito. Mas dali a pouco entrou um cochicho chutando a porta do meu recolhimento e mais um risinho. E mais cochicho. E risinho. Então, virei a cabeça em direção a esses sons e vi o casal em lua-de-mel. E não liguei, porque conheço minha neurose, falei "shhh" prá mim mesma e voltei a olhar pra areia. Mas começou tudo de novo e aí não dava mais pra fingir que não era nada. Era comigo, era pra mim. era de mim. Riam e cochichavam, porque uma gordinha estava sozinha, de maiô, escondida no inverno e nem jovem mais era ela, algo que lhe devolvesse algum crédito. Ou era o que eles pensavam, porque quando eu olhei de novo, ela riu aberta e sarcasticamente mesmo, embora ele ficasse um pouco constrangido com o que viu no meu olhar.
Então, quando eu já estava no embate entre chorar até derreter ou encher ela de porrada, porque quando eu fico com medo e magoada eu instantaneamente fico muito, muito zangada, vi um homem levando uma bicicleta pela mão, lá meio longe.
Ele veio vindo e foi chegando perto e eu pude ver uma maritaca empoleirada no guidão. Aí ele parou e apoiou a bicicleta e acenou com a cabeça prá mim, de leve, como um cumprimento. Eu ia sorrir de volta, quando vi a maritaca descendo da bicicleta e ir andando até a beira da água, onde a marolinha faz aquela espuminha boa. E a maritaca começou a tomar banho, splash prá lá e a onda vinha, ela corria um bocadinho e corria de volta e splash prá cá. Quando ela resolveu que já estava toda asseada, sei lá, ela veio voltando, andando, e tchuc tchuc tchuc, foi subindo de novo até o guidão. Inda se chacoalhou toda, feito um cachorro, que até respingou em mim.
Eu comecei a rir e perguntei pro moço:
- Ela não voa, porquê? O senhor cortou a asa dela, foi? Não me diga isso...
- Nada, não senhora. A passarinha, eu trouxe ela do Ceará, no meu colo. Quando eu estava pra pegar o ônibus aqui pro Sul, vi que ela tinha caído de um ninho. Catei e procurei o ninho, a mãe, mas nada. Não achei. Estava lá eu pensando no que fazer, quando me chamaram, que o ônibus ia embora. Então, resolvi que era melhor ela vir comigo, do que ficar ali pra virar comida de gavião. E viemos, dois dias num ônibus, mais não sei quantos em outro. Eu fui dando água e migalha de coisa e ela foi crescendo sempre comigo.
Olhei a passarinha. Realmente as asas estavam em ordem, ela parecia feliz.
- Mas então por que ela não voa?
- Ah, dona, ela só não sabe que sabe voar.
E abriu um sorrisão moreno e franco, me olhando nos olhos de um jeito que me fez sorrir e entender, coisa pra nunca mais esquecer.
Olhei pro lado e o casal tinha sumido.



[essa estória foi postada primeiramente numa comunidade da qual eu fazia parte: www.yubliss.com]

Trecho do meu livro - Os Amantes



 

Trecho (extraído do Livro "Tarot Luminar - Refletindo sob as luzes dos Arcanos Maiores", em "Os Amantes"):



"Apaixonados: a esse estado enlevado damos o nome de amor e a ele quase todos nos entregamos desvairadamente, como se fosse uma droga. Depois, não sabemos porque ele não durou para sempre, ou como foi que acabou entre tapas e gritos, ou apenas por que antes era uma necessidade tão visceral e de repente se transformou em algo banal. Não compreendemos por que sentíamos que aquela pessoa era nossa alma gêmea finalmente descoberta e agora... Agora é só o João, ou só a Maria."




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