Sabe
aqueles momentos em que você está no fundo do poço e não vê
saída? (Não sabe? Good for you, mas vá ler outra coisa, porque
isto aqui é para quem já viveu ou vive o escuro do túnel. O fim da
corda. O cu da Marieta. Enfim: o fundo do poço. E é longo, porque
quem tá no fundo do poço gosta de falar com quem o entende, mas, claro, você não sabe disso.)
Então.
Excluindo o luto, que é um escuro muito específico, e as patologias
psiquiátricas,
fundo de poço acontece a intervalos irregulares na vida de qualquer
um. É mais comum do que se pensa e é fácil de detectar. Tem falso
fundo de poço e, em geral, é só mimimi. E também tem placebo de
fundo de poço, que até é escuro e tals, mas na real não pega
nada.
Fundo
de poço papo sério é quando a vida terrena embica na
parede e, ao
mesmo tempo,
a alma vai tomar um café. O ego fica, então, sem guia, batendo na
parede feito clone com defeito, até que a pilha acaba e a gente
simplesmente… desiste. Desiste de pensar, de tentar, de procurar,
mas, principalmente, desiste de sentir, porque sentir dói. A pessoa
acorda e pensa: Pra quê levantar? Levanta e pensa: Mas pra quê
tomar banho? Toma banho e pensa: E
pra quê me arrumar? E, realmente, não se arruma. Dizem que parar de
tomar banho é o maior sinal do fim da corda, mas eu digo que o
último sintoma de que você bateu no fundo do poço é se lixar para
os trapos que veste (excluindo
os que se vestem de trapos por gosto ou por necessidade, evidente). Ficar sem banho é
um adereço.
Enfim,
a pessoa põe algum figurino condizente com fundo de poço (calça
mole com elástico vencido, meia furada, você sabe), faz um café e
chora. Deita no sofá e chora. Olha pela janela e chora. Num arroubo
de energia fugaz, se arrasta para a frente do computador, dá uma
olhada no face e aí chora pra valer.
Na
rede,
todo mundo está
comemorando
algo. Viajando. Recebendo amigos. Concluindo cursos. Dando beijo.
Tendo filhos. Vociferando em causas. Recebendo parabéns. Jantando
fora. Dizendo coisas absolutamente cretinas como: “Você
faz o seu destino!”,
como se isso não fosse um paradoxo. E rindo, que todo mundo ri muito
no face. Na internet,
a vida é linda. E tá lá aquele monte de gente garantindo isso,
comprovando isso e testemunhando que se você não está feliz, você
fez uma escolha: a escolha de ser infeliz. E a pessoa no estágio
fundo de poço se vê excluída dessa tal vida. Todo mundo tá feliz,
feito música da Xuxa, menos ela. E ainda por cima a culpa é dela,
porque ela não fez seu destino; ela escolheu ser infeliz.
Vamos
parar com esse absurdo monte de bullshit,
por gentileza?
Ninguém
– absolutamente ninguém – em sã consciência escolhe
ser infeliz, tenha a santa paciência. E ninguém “faz seu
destino”, porque ou é destino…
(destino1
des.ti.no1
sm (de destinar) 1 Encadeamento
de fatos supostamente fatais; fatalidade. 2 Circunstância
favorável ou adversa às pessoas etc
3 Fado,
sorte. etc)
…
ou
é uma ação deliberada do indivíduo. Tendeu? Fatalidade, sorte,
circunstância – destino é isso. E não, você NÃO faz isso. Você
PILOTA o avião, mas NÃO MANDA NOS VENTOS, dá pra entender ou quer
que eu desenhe? Sim, a maior parte do caminho se faz pilotando, ou,
ao menos, boa parte dele. Porém, sinto lembrar,
há algo a mais que independe da sua vontade. O destino insere
eventos, fatos ou circunstâncias sobre as quais você não tem
controle. Se assim não fosse, o arcano X, a Roda da Fortuna, seria
uma irrelevância. E nada no tarô é irrelevante, ponto.
Quando
o Imponderável interfere na vida, você pode lidar com as
consequências disso; pode manobrar o depois. Mas não pode
determinar se, como e quando o Imponderável interferirá. Sorte é
curriculum.
O
fato é que alguns movimentos da vida podem, sim, te jogar no fundo
do poço por razões diversas, incluindo aí o acaso e o lema “Shit
happens”
(e
isso não é culpa sua. Culpa é um conceito reservado aos seres do
Mal. Você é do Mal?)
Se assim não fosse, o arcano XVI, A Torre, seria mais uma
irrelevância. E nada no tarô é irrelevante – falei isso já?
Então.
Todo
o meu olhar sobre o tarô se comprova empiricamente, devo dizer.
Modos que eu trabalho com a teoria sobre cada Arcano
Maior,
mas unida à minha experimentação pessoal e profunda de cada um
deles. Alguns já foram vividos até o talo, outros menos, mas
conheço seus efeitos na pele e na vida, minha e de outros, e para
além dos livros.
Minha
observação sobre os momentos fundo de poço abrangem vários
arcanos e só uma leitura apresenta as sutilezas de suas diferenças,
mas o fato é que, no passar da régua, o grande lance, o cerne da
questão mesmo, é a revelação de quem você é. De
quem você realmente é diante da falta de algo que sempre foi ou
pareceu essencial.
Porque, de novo, sinto lembrar,
a gente não encarna para ter 1000 amigos na rede ou para comprar
Porsches. Sim,
isso aí é super fun,
mas a
gente não
encarna para ter e sim para ser (credo, o Fromm virou no túmulo
agora, mas enfim.) No entanto… NO ENTANTO…
NÃO
é uma gincana. Não é um concurso para checar quem é melhor ou
pior. Do ponto de vista espiritual, psíquico ou humano mesmo, diria,
TANTO FAZ se você é do tipo que dá a volta por cima ou se é
daqueles que rastejam na lama, desesperados, até que alguém os
resgate. Não há virtude alguma ou desabono algum em qualquer dos
casos. Não tem ninguém marcando o score,
sabe como?
Tombos
servem
para que a gente olhe no espelho;
para aprender
como acolher a si mesmo, incondicionalmente, e, em seguida, para ver
se e como podemos…
ser.
Sim, porque pode não dar tempo para exercer a si mesmo aqui na
Terra, olha só. Minha mãe teve altas iluminações sobre
desperdícios e perdas de tempo, poucas horas antes de morrer, modos
que não deu tempo para ela aplicar o que percebeu. Porém,
eu assisti a tudo isso e vi a liberação profunda que se segue ao
primeiro movimento de arrependimento. Ela acontece,
só digo isso.
O
babado da vida, a meu ver, é a descoberta de si mesmo e a
autoaceitação. O engano fatal, tão
difícil da gente abrir mão,
é achar que o objetivo humano é “vencer na vida”. Noves fora,
embora todo mundo goste de florear a coisa, trata-se de “ganhar uma
grana”, mesmo que você seja, em
essência,
um tremendo hippie
afins de mochilar mundo afora, ou uma pacata pessoa, que curte mesmo
ser caixa do Bradesco e ter uma vida sem grandes agitos. E
onde
ficam os monges, os eremitas, Gandhi e os moradores de rua? Um
bando de fracassados,
na cabeça da maioria das pessoas, acho.
E, quando a gente pensa assim, está a um passo da eugenia. Melhor
repensar isso aí.
Eu,
a cada tombo, aprendo mais sobre minha sombra. Todo mundo fala nisso
hoje em dia; virou carne de vaca “reconhecer a sombra”. Mas a
verdade é que sombra é foda. Sombra é aquela parte nojenta,
grotesca, podraça mesmo, que todo mundo esconde lá no fundo do
armário (e do poço, naturalmente). No entanto, quase todos nós
dizemos que sabemos disso, mas, no fundo, somos crianças pensando
que os amiguinhos são, sim, uma porcaria. Nós?
Never. Mas
somos, tá? Podraços e grotescos e nojentos. E maravilhosos,
amorosos e sensacionais. Somos tudo junto e isso, sim, podemos
escolher:
equilibrar esses troços todos ou deixar a balança ao vento, ora
sendo luminares, ora podrando por aí.
Rejubilar-se
sob o Sol é mole; entender
o escuro e a função do seu silêncio é para quem não nasceu para
sentar no pudim. Não, não é divertido, mas a iluminação do
Enforcado, sua santidade quase, diria, advém do ser eleito. A muitos
isso é dado, mas poucos têm culhão para perceber e absorver o
poder do fundo do poço.
Quando
nele estiver, saiba que sim, é um pé no saco, mas – pasme!
– pare
de tentar sair dele. Interaja apenas com amigos fortes e mudos; saia
das redes tantalizantes; desligue a TV; durma, leia besteiras, chore,
espere. Você está em transformação e não é seu ego que comanda
isso. Se parar de se estabacar nas paredes, feito peixe no anzol, e
se entregar; e se esperar que o silêncio na mente abra a voz do seu
ser mais elevado, então, no
seu ritmo,
entenderá algo fundamental a seu próprio respeito e será
resgatado.
Como
eu sempre digo sobre o Julgamento, reflorescer é abrir novas
flores numa planta já existente.
Se não confia, neste momento, na Vida, confie em mim. A ressurreição
acontece. Subir
e descer, morrer e renascer. Faz parte. Relaxa
aí.
Adorei! Sempre digo: "ostra feliz não faz pérola" Rubem Alves. :)
ResponderExcluirÉ isso, amada!
ExcluirBjss
Super seu texto, Ivana! Fundo do poço é do caramba mesmo, mas depois que vc sai dá uma animada! Acho que nunca mais é do mesmo jeito... Pelo menos assim espero!
ResponderExcluirLembrei também de um post/meme do onipresente Facebook sobre a vida: ainda não descobri o que é pra fazer! Bjus
rsrsrs
ExcluirBruno, como respondi pra uma pessoa no face, o bom do depois dos 50 é que vc aprende que não tem a menor importância não saber...rs.
Grata e feliz pq vc gostou, querido!
Bjss
então, né ??? e seguimos enfrentando as Torres :P
ResponderExcluirto adorando seus textos !!!
bjs