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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

REALINHANDO IMPERADORES E IMPERATRIZES



Imagem: http://universoliterario.wordpress.com/2009/10/27/

Vou ao oculista.
Certa apreensão, porque quem o indicou me alertou que ele é um cara seco, antipático, mas muito bom profissional. Bem, antes isso, penso, mas, xi, já vi tudo. Um daqueles "doctors" cheios de se achar isso ou aquilo. Chato.

No caminho, vejo uma longa fileira de casas e tenho uma síndrome de Alice, parece que estou caindo - ou será subindo?
Curioso esse negócio. Será labirintite? Um AVC??? Fígado, deve ser isso. Chá de boldo, é isso.

É tão desnorteante a sensação, que me toma mais minutos que o necessário, até eu perceber o óbvio: é uma ladeira e arquiteto após arquiteto, se é que os houve (coisa que, francamente, não creio), todos tentaram alinhar-se à tal ladeira, sem sucesso. O resultado é um monte de casas com janelas 6 cm tortas, portas quase convexas, portões que não fecham direito. Carros numa garagem, uma roda quase no ar! Uma loucura onde só falta o gato que desaparece, realmente.

Vejo Imperadores e Imperatrizes tresloucados, tomando chás impossíveis nas mesas dessas estranhas salas de estar. Deve ser o calor. Desidratação, talvez, só um pouquinho, é isso.

Então, me vem à mente que assim fazemos, muitas vezes, em nossas vidas: "alinhamos" nosso "eu" tomando por base algo que é, na verdade, torto.
E vejo que quase todos somos como essas casas: um torto após o outro - e todos acreditando que o torto é o outro.

Alinhamentos absolutamente vãos, híbridos.

De que adianta alinhar os chakras, se o coração está destituído de amor fraterno, o único afeto realmente desprovido de interesse? Gostar do outro com esse descomprometimento é, na verdade, gostar de si mesmo incondicionalmente - e é essa a base da saúde fundamental, a psico-espiritual, quase um ato que Jodorowsky chamaria de psicomágico.

De que adianta alinhar os pensamentos com o que chamamos de "positivo", se esses conceitos estão semeados de falácias e natimortos no cerne?

De que adiantam tantas crenças tatuadas na mente, se nem crenças, nem mente, todas contaminadas pela contemporânea estupidez global, conseguem habilitar um olhar isento a nosso próprio respeito?

Que sentido tem alinhar "meditações ayurvédicas" com um ser que exige isto ou aquilo da vida ininterruptamente, em vez de apreciá-la, aqui e ali? Um ser que só se ressente pelo que não obtém, quando podia estar em pleno regozijo, ao menos uma vez por dia, pelo que já recebeu?

Precisamos acertar antes, portanto, as fundações, para que o resto de nosso ser possa alinhar-se com verdadeira majestade. 

Não, não vai ser fácil rever tudo desde o começo, penso, mas e de que é feito afinal o game da vida? Não é de, entre o lúdico e o acadêmico, investigar a si mesmo e ir subindo de "level", ir alcançando melhores estágios?

Chego ao consultório e gargalho, das recepcionistas à saída. Moças ótimas, completamente TeVeguiadas, mas sedentas do novo, acabo quase dando consulta de tarô grátis, ali mesmo. Entro na sala do Dr. João e damos risadas que quase impedem os exames, mas finalmente ele faz a receita dos meus óculos, enquanto me conta que minha pressão ocular está ótima, fundo de olho ótimo, a miopia aumentou quase nada nos ultimos muitos anos, tudo ótimo.

Terá sido ele que mudou de temperamento, ou eu que já mudei no caminho?

texto originalmente postado no blog do Yubliss: http://www.yubliss.com/blog/7262/post/8153

domingo, 4 de julho de 2010

Fruto da Temperança

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Algumas pessoas me dizem que não gostam da Temperança, o arcano 14.
Dizem que é uma paradeira, que a vida não anda, que nada acontece. Não estão totalmente erradas, mas se esquecem do outro lado da coisa.
Este texto é para elas.

São Paulo amanheceu calada, arrastando a alma velha e a boca exausta.


Só quem berra é a faxineira do prédio vizinho, que conversa com a colega, num tête-à-tête sertanejo, como se fosse surda ou como se não quisesse ouvir. Ou como se lhe tivessem dito que toda educação, bem como toda moralidade, estava  definitivamente revogada.

Só quem berra é o executivo chinfrim parado na calçada, num embate íntimo de alma entre a vida cinza-Securit e o acid trance desejado, como se fosse lerdo, ou como se não soubesse ouvir. Ou como se lhe tivessem dito que toda decência, bem como toda individualidade, fica definitivamente abolida.

Só quem berra é a ex-garota na calçada, num cabo-de-guerra esquizoide entre o celular e a chave do carro, como se fosse doida, ou como se não lhe adiantasse ouvir. Ou como se lhe tivessem dito que toda interna juventude, bem como toda elegância, fica imediatamente condenada.

Só quem berra é meu ego, em estertores de meia-idade, como se eu fosse insana, ou como se não suportasse ouvir. Ou como se me tivessem dito que toda boa nova, bem como toda esperança de melhora, fica inexoravelmente suspensa.

Fora, nada acontece. Na realidade, nada acontece. São só barulhos e o espernear habitual de grandes cidades, mas, no fundo, nada acontece.

No entanto eu, um eu feito de outra fibra e que verdadeiramente comanda meus sentidos, bem, esse eu repentinamente me surpreende, pois sempre percebe o ninho de onde já nasceram seis gerações de passarinhos azuis.

E teria sido impossível aprender isso a meu respeito, se a vida não tivesse pausado um instante.


texto postado originalmente no blog http://www.yubliss.com/blog/7262