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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Sobre a sombra d'O Imperador e seu orgulho imbecil


http://www.tamu.edu/faculty/ccbn/dewitt/lwpenningtonfiles.htm


As cabeças retrocederam para o julgamento "moral" dos anos 50. Estou só esperando para ver o ressurgimento do Macartismo descarado, pelo andar da carruagem. No facebook pessoas entram em confrontos (confrontos, não debates saudáveis) sobre absolutamente qualquer estupidez e alguns deles resultam em brigas que se estendem à vida real. É assustador ver a confusão mental geral. Quem opina já é visto, a priori, como um metido, porque toda opinião passou a ser um julgamento e julgamento tá fora de moda, segundo certa confusa falange. Mas quem não opina é um em-cima-do-muro e também está sujeito a levar tomates e ovos podres. É o caos: uma Babel rediviva, induzida por quem realmente ganha com isso, o que é coisa que poucos percebem. Monik Ornellas acaba de postar um texto justificadamente irado a respeito dessa patrulha generalizada no seu blog, Bitola Humana. Endosso e colaboro com um aqui também.


http://www.historyplace.com/worldwar2/hitleryouth/hj-prelude.htm

Quando você, feito um espartano prepotente, se sente melhor que o outro porque ele fuma, ou bebe, ou usa crocs, ou é fashionista, ou é gay, ou não é gay, ou é low profile, ou é pró-ativo, ou é da posição, ou pró oposição, ou é a favor do sertanejo, ou só curte rock, ou é gordo, ou é magro, ou é realista, ou é um iludido - a lista não tem fim - bem, quando você se sente acima do outro por qualquer dessas premissas, o que vai de errado são duas necessidades que, a meu ver, transparecem: uma, a necessidade de se sentir mais que o outro, o que já indica quão "por baixo" essa pessoa na verdade está. A segunda é a urgência quase histérica de encontrar referenciais externos e/ou grupais para saber o que pensar. Ao categorizar a si mesmo como "Sou da turma anti umbanda, mas também sou da turma neo feminista, e sou da turma pró pagode" etc etc etc, esse ser, então - e só então - passa a saber o que dizer e como agir. É como ter uma mente em branco, que só integra conteúdo dependendo do que o grupo da vez ditar. Creepy, para dizer o mínimo.

Esta era de dissoluções por si só já deixa a muitos sem âncora, sem lastro, mas o conversê virtual, quando é superficial (e na maior parte das vezes o é, já que a maioria das pessoas não sabe se expressar escrevendo e por isso morre de preguiça de elaborar bem uma ideia), inclui o risco de também nos deixar infantilizados, ou melhor: "adolescentizados". Não por nada há a tendência, nas redes sociais, à busca frenética por fazer parte de tchurmas:  "gangues", turminhas, grupinhos coesos (até segunda ordem...) e veladamente (ou descaradamente) violentos no seu discurso. Exatamente como quando entramos na adolescência, onde tudo que sentimos é sempre cabal, intenso e passional e precisamos de um grupo que endosse isso. 


http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/02/308778.shtml

Aos doze ou quinze anos isso faz sentido: estamos procurando saber quem somos e, nesse movimento, renegamos tudo que há para além da nossa idade e do nosso exato instante, desde nossos pais até a sociedade e seus valores ou atribuições. Na adolescência, essa é uma contraposição natural e necessária na pesquisa e formação de nós mesmos como adultos. Por isso mesmo é estranhíssimo ver, no mundo virtual, pessoas de 40, 50 anos e mais, retrocedendo no que já deveria estar muito mais enraizado a essa altura do campeonato: a aceitação das diferenças, o entendimento de que da diversidade nasce a vida e o conhecimento de que nada, no mundo, é tão cabal nem tão definitivo e que a inflexibilidade é coisa de quem ainda não viveu muito. Em pleno terceiro milênio, então, assistir a essa sombra d'O Imperador, quando na rede alternam-se posts de fadas palpáveis, feitas a laser 3D, com receitas de xaropes das bisavós, é algo de pasmar. 


http://www.cllrdenselow.com/responses-to-gang-culture-the-need-for-localised-strategies/

Deveria ser evidente essa impossibilidade das coisas serem de um único jeito, diante do mix que hoje vemos entre o novo e o velho e das resultantes disso, algumas péssimas, sim, mas outras brilhantes, como tudo desde que o Mundo é Mundo. Entendo a resistência geral em querer manter tudo igual, em querer que todos sejam iguais, como se isso nos defendesse do ruim, uma herança judaico-cristã do aprisionamento ao velho e às tábuas da Lei como defesa contra o discurso sedicioso diabólico; é quase uma variável do "ri no sábado, chora no domingo", mas, convenhamos, é uma piada querer manter essas ideias em tudo, depois de certa maturidade. E eu não sou nenhuma santa perfeita, longe disso. Já me envolvi em bate-bocas homéricos na rede, feito uma besta de 13, como quase todo mundo. Mas parei para pensar em quem realmente sou e não em quem a rede parece querer me empurrar a ser e puxei o freio de mão. Opino, concordo ou discordo e, sim, rebato agressivamente quem entra em post meu sem educação, porque eu adoro debater até a cor da unha dos anjos, mas detesto gente folgada e cuja escrita revela essa folga. That's me. Há quem prefira passar batido, o que por vezes é mais sábio, mas aí não sou eu. O fato é que tudo no mundo - tudo mesmo, incluída aí a rede social que veio para ficar - pode servir de ponto de reflexão sobre nós mesmos e é isso que serve como ponto de partida para sermos melhores seres humanos. 


http://depts.washington.edu/chinaciv/clothing/11maosui.htm

Seria infinitamente melhor e mais producente se esse povo que está tão a fim de patrulhar, policiasse, antes, a si mesmo, em vez de assumir sua porção Dona Cotinha na janela, polvilhando regras à rodo e pretendendo determinar como se deve ser, falar, vestir, agir, pensar, amar e ser. Ou, confusão das confusões, passando a determinar que opinar não é legal, faça-me o favor!... Essa ilusão neurótica de poder controlar cada pena de pássaro é patética e seria risível, não fosse o fato de que grandes horrores já se abateram sobre a humanidade, perpetrados por gente que pensava exatamente isso: que podia controlar e adequar cada pedra de rio, cada palha de feno e cada ser senciente ou consciente. E exterminando a liberdade de opinião. 

Portanto, tenhamos mais cuidado, porque a fervura está no ponto, seja para um retrocesso destruidor, seja para um avanço liberador. E. para este, a autonomia ideológica e filosófica será fundamental, determinante mesmo.