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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Do fundo do poço às luzes do tarô



Sabe aqueles momentos em que você está no fundo do poço e não vê saída? (Não sabe? Good for you, mas vá ler outra coisa, porque isto aqui é para quem já viveu ou vive o escuro do túnel. O fim da corda. O cu da Marieta. Enfim: o fundo do poço. E é longo, porque quem tá no fundo do poço gosta de falar com quem o entende, mas, claro, você não sabe disso.)

Então. Excluindo o luto, que é um escuro muito específico, e as patologias psiquiátricas, fundo de poço acontece a intervalos irregulares na vida de qualquer um. É mais comum do que se pensa e é fácil de detectar. Tem falso fundo de poço e, em geral, é só mimimi. E também tem placebo de fundo de poço, que até é escuro e tals, mas na real não pega nada.

Fundo de poço papo sério é quando a vida terrena embica na parede e, ao mesmo tempo, a alma vai tomar um café. O ego fica, então, sem guia, batendo na parede feito clone com defeito, até que a pilha acaba e a gente simplesmente… desiste. Desiste de pensar, de tentar, de procurar, mas, principalmente, desiste de sentir, porque sentir dói. A pessoa acorda e pensa: Pra quê levantar? Levanta e pensa: Mas pra quê tomar banho? Toma banho e pensa: E pra quê me arrumar? E, realmente, não se arruma. Dizem que parar de tomar banho é o maior sinal do fim da corda, mas eu digo que o último sintoma de que você bateu no fundo do poço é se lixar para os trapos que veste (excluindo os que se vestem de trapos por gosto ou por necessidade, evidente). Ficar sem banho é um adereço.



Enfim, a pessoa põe algum figurino condizente com fundo de poço (calça mole com elástico vencido, meia furada, você sabe), faz um café e chora. Deita no sofá e chora. Olha pela janela e chora. Num arroubo de energia fugaz, se arrasta para a frente do computador, dá uma olhada no face e aí chora pra valer.

Na rede, todo mundo está comemorando algo. Viajando. Recebendo amigos. Concluindo cursos. Dando beijo. Tendo filhos. Vociferando em causas. Recebendo parabéns. Jantando fora. Dizendo coisas absolutamente cretinas como: “Você faz o seu destino!”, como se isso não fosse um paradoxo. E rindo, que todo mundo ri muito no face. Na internet, a vida é linda. E tá lá aquele monte de gente garantindo isso, comprovando isso e testemunhando que se você não está feliz, você fez uma escolha: a escolha de ser infeliz. E a pessoa no estágio fundo de poço se vê excluída dessa tal vida. Todo mundo tá feliz, feito música da Xuxa, menos ela. E ainda por cima a culpa é dela, porque ela não fez seu destino; ela escolheu ser infeliz.

Vamos parar com esse absurdo monte de bullshit, por gentileza?

Ninguém – absolutamente ninguém – em sã consciência escolhe ser infeliz, tenha a santa paciência. E ninguém “faz seu destino”, porque ou é destino…

(destino1
des.ti.no1
sm (de destinar) 1 Encadeamento de fatos supostamente fatais; fatalidade. Circunstância favorável ou adversa às pessoas etc 3 Fado, sorte. etc)

ou é uma ação deliberada do indivíduo. Tendeu? Fatalidade, sorte, circunstância – destino é isso. E não, você NÃO faz isso. Você PILOTA o avião, mas NÃO MANDA NOS VENTOS, dá pra entender ou quer que eu desenhe? Sim, a maior parte do caminho se faz pilotando, ou, ao menos, boa parte dele. Porém, sinto lembrar, há algo a mais que independe da sua vontade. O destino insere eventos, fatos ou circunstâncias sobre as quais você não tem controle. Se assim não fosse, o arcano X, a Roda da Fortuna, seria uma irrelevância. E nada no tarô é irrelevante, ponto.



Quando o Imponderável interfere na vida, você pode lidar com as consequências disso; pode manobrar o depois. Mas não pode determinar se, como e quando o Imponderável interferirá. Sorte é curriculum.

O fato é que alguns movimentos da vida podem, sim, te jogar no fundo do poço por razões diversas, incluindo aí o acaso e o lema “Shit happens” (e isso não é culpa sua. Culpa é um conceito reservado aos seres do Mal. Você é do Mal?) Se assim não fosse, o arcano XVI, A Torre, seria mais uma irrelevância. E nada no tarô é irrelevante – falei isso já? Então.

Todo o meu olhar sobre o tarô se comprova empiricamente, devo dizer. Modos que eu trabalho com a teoria sobre cada Arcano Maior, mas unida à minha experimentação pessoal e profunda de cada um deles. Alguns já foram vividos até o talo, outros menos, mas conheço seus efeitos na pele e na vida, minha e de outros, e para além dos livros.

Minha observação sobre os momentos fundo de poço abrangem vários arcanos e só uma leitura apresenta as sutilezas de suas diferenças, mas o fato é que, no passar da régua, o grande lance, o cerne da questão mesmo, é a revelação de quem você é. De quem você realmente é diante da falta de algo que sempre foi ou pareceu essencial. Porque, de novo, sinto lembrar, a gente não encarna para ter 1000 amigos na rede ou para comprar Porsches. Sim, isso aí é super fun, mas a gente não encarna para ter e sim para ser (credo, o Fromm virou no túmulo agora, mas enfim.) No entanto… NO ENTANTO…

NÃO é uma gincana. Não é um concurso para checar quem é melhor ou pior. Do ponto de vista espiritual, psíquico ou humano mesmo, diria, TANTO FAZ se você é do tipo que dá a volta por cima ou se é daqueles que rastejam na lama, desesperados, até que alguém os resgate. Não há virtude alguma ou desabono algum em qualquer dos casos. Não tem ninguém marcando o score, sabe como?



Tombos servem para que a gente olhe no espelho; para aprender como acolher a si mesmo, incondicionalmente, e, em seguida, para ver se e como podemos… ser. Sim, porque pode não dar tempo para exercer a si mesmo aqui na Terra, olha só. Minha mãe teve altas iluminações sobre desperdícios e perdas de tempo, poucas horas antes de morrer, modos que não deu tempo para ela aplicar o que percebeu. Porém, eu assisti a tudo isso e vi a liberação profunda que se segue ao primeiro movimento de arrependimento. Ela acontece, só digo isso.

O babado da vida, a meu ver, é a descoberta de si mesmo e a autoaceitação. O engano fatal, tão difícil da gente abrir mão, é achar que o objetivo humano é “vencer na vida”. Noves fora, embora todo mundo goste de florear a coisa, trata-se de “ganhar uma grana”, mesmo que você seja, em essência, um tremendo hippie afins de mochilar mundo afora, ou uma pacata pessoa, que curte mesmo ser caixa do Bradesco e ter uma vida sem grandes agitos. E onde ficam os monges, os eremitas, Gandhi e os moradores de rua? Um bando de fracassados, na cabeça da maioria das pessoas, acho. E, quando a gente pensa assim, está a um passo da eugenia. Melhor repensar isso aí.

Eu, a cada tombo, aprendo mais sobre minha sombra. Todo mundo fala nisso hoje em dia; virou carne de vaca “reconhecer a sombra”. Mas a verdade é que sombra é foda. Sombra é aquela parte nojenta, grotesca, podraça mesmo, que todo mundo esconde lá no fundo do armário (e do poço, naturalmente). No entanto, quase todos nós dizemos que sabemos disso, mas, no fundo, somos crianças pensando que os amiguinhos são, sim, uma porcaria. Nós? Never. Mas somos, tá? Podraços e grotescos e nojentos. E maravilhosos, amorosos e sensacionais. Somos tudo junto e isso, sim, podemos escolher: equilibrar esses troços todos ou deixar a balança ao vento, ora sendo luminares, ora podrando por aí.



Rejubilar-se sob o Sol é mole; entender o escuro e a função do seu silêncio é para quem não nasceu para sentar no pudim. Não, não é divertido, mas a iluminação do Enforcado, sua santidade quase, diria, advém do ser eleito. A muitos isso é dado, mas poucos têm culhão para perceber e absorver o poder do fundo do poço.

Quando nele estiver, saiba que sim, é um pé no saco, mas – pasme! – pare de tentar sair dele. Interaja apenas com amigos fortes e mudos; saia das redes tantalizantes; desligue a TV; durma, leia besteiras, chore, espere. Você está em transformação e não é seu ego que comanda isso. Se parar de se estabacar nas paredes, feito peixe no anzol, e se entregar; e se esperar que o silêncio na mente abra a voz do seu ser mais elevado, então, no seu ritmo, entenderá algo fundamental a seu próprio respeito e será resgatado.

Como eu sempre digo sobre o Julgamento, reflorescer é abrir novas flores numa planta já existente. Se não confia, neste momento, na Vida, confie em mim. A ressurreição acontece. Subir e descer, morrer e renascer. Faz parte. Relaxa aí.