Profissional aderido ao Código Ético - Barcelona

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Se não tá bom, mude!




Há uns 25 anos atrás, Natal era mais curtição que pesadelo. A maioria das pessoas gostava do Natal, juro (mas, também, há 25 anos atrás a vida era mais curtição que pesadelo. Sério.) 

Hoje, o que eu mais vejo é gente reclamando das passas na salada, reclamando dos papos serem sempre os mesmos, reclamando do amigo secreto, reclamando de ter que encontrar a família. Ao mesmo tempo, montes de fotos de "almoço de Natal da firma" inundam a rede, todo mundo sorrindo e abraçado, como se almoçar com chefe, nesse calor do cão, com aquele ódio de ter sido obrigado a trampar até dia 23, quando tudo já estava em ritmo de férias, não fosse um pé no saco, pra dizer o mínimo. Sim, há casos em que o ambiente de trabalho é mesmo algo diferente, divertido e agradável, mas a quantidade evidente de funcionários baba-ovos natalinos que pululam nesta época do ano é algo patético.


Chuto que 80% do nosso tempo, atualmente, é gasto em caçar dinheiro. E aí, na hora de curtir uma data como o Natal, com tantos significados bacanas em várias religiões e afins, só o que se faz é transformar isso em mais uma enorme tarefa chatérrima e aí, claro, execrar tudo.


Estamos tão afastados da Vida, tão distantes do interesse sincero pelo outro, tão absorvidos, tentando manter o próprio umbigo fora da lama, que toda interação enfada. Fingir que adoramos os colegas da corporation enquanto puxamos o saco de chefes que desprezamos é como morrer um pouco todo dia, então isso faz com que toda relação pareça, a priori, mais uma dinâmica insuportável.


Gente do céu: TROCA DE VIDA, porra! Ou, ao menos, tenha o culhão de trocar ALGO de peso na sua vida. Porra.


Sabe quantos conseguem realmente acabar a vida tomando piñas coladas e olhando o azul do Caribe, comendo lagostas e não tendo que lavar louça nunca mais? Olha em volta e me conta quantos você conhece pessoalmente.

Hello.




A gente precisa parar de se contentar com pouco, mas é no agora e não só no futuro. Precisa parar de se achar um zé mané sim-sinhô e de se submeter a viver com metade do corpo já enterrado, na esperança desse sacrifício existencial garantir uma velhice confortável. Isso é nonsense total. Mal viver agora em prol de talvez viver mais ou menos lá adiante? Que sentido tem isso, me diz? Viver, então, é morrer de medo de viver e de morrer? Isso é loucura, pura e simples. Precisamos entender que NÃO encarnamos para reverenciar o trabalho que não é uma realização pessoal, ou, ao menos, que não é uma completa estupidez. Se não tem coragem de ir atrás do que realmente quer fazer, tenha a dignidade de achar algo que não te seja completamente abjeto. Algo que não torne o ato de acordar um horror. Não, não é fácil, mas se entender com a vida não é tarefa pra preguiçoso, desculpa aí. Pare de se enganar: batalhar a sobrevivência é importante e coerente; dar a vida inteira a um job totalmente imbecil, pela ilusão de uns anos de folga ou da imortalidade, é um sacrilégio. 


Idem em relação ao Natal e às interações. O Natal da sua família é chato porque tem gente chata? Não vá. Ou avise que se fulano for, você não vai - e cumpra. Faça uma noite gostosa na sua casa e dane-se a obrigatoriedade da data. Cate amigos na mesma situação e divirtam-se. Vá viajar. Sequestre os parentes que ama e faça outra coisa. Ou vá, beije os amados, diga que está com enxaqueca e se mande para algum boteco bão. Tome um Rivotril e vá dormir o que não dorme no ano. Sei lá. Mas saia do espírito bunda-mole e faça um Natal decente, em vez de apenas reclamar do que costuma ter, se ele é realmente tão ruim assim. Porém, antes, repense se ele é mesmo isso tudo de péssimo. Talvez seja. Nesse caso, livre-se dele, vire gente grande, mude a porra do Natal. Mas também pode ser que ele seja ruim porque nós é que estamos nos tornando absurdamente egocêntricos, mesquinhos, desinteressados, frívolos. Cheque, antes, o quanto da sua compaixão sumiu, o quanto do seu coração se dissolveu, o quanto da sua gratidão se desfez. Nesse caso, em vez de mudar o Natal, mude a si mesmo.


Hoje, meu Natal é pequenininho na forma, mas pleno na sua real função. E este ano não vou cozinhar peru, lombo ou tender, simplesmente porque não estou afins. A gente vai comer uma salada crocante, um peixe sensacional, uma mousse de limão ótima pra esse calor e vai conversar e se conectar com a vibe bacana dessa data. E depois, talvez, cada um vá jogar, ler ou fazer o que for afins. Natal, aqui, é pra ser de paz. É para relembrar quem somos e a quê viemos. É para lembrar dos que já se foram com humor e carinho e para demonstrar a gratidão pelos afetos que ainda podemos desfrutar. É para rever se estamos sendo amáveis conosco e vivenciando como se deve a bênção da estranhíssima experiência terrena. 

Natal, pra mim, é o arcano V, O Papa: é para passar a vida a limpo e para checar se estou indo bem no caminho de equilibrar as pontas.

Feliz e pacífico Natal a todos!






  


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Os abraços de Isabel


http://corinazone.deviantart.com/art/Complementary-soulmates-and-their-cosmic-love-480201222

Você lembra o gosto do abraço? Acessa fácil a memória daquele sentimento que rola quando alguém acolhe você incondicionalmente, num abraço comme il faut? Se não lembra, ou se não liga muito pro tema, como sempre digo, vá ler outra coisa, porque isto aqui é pra quem ainda não virou um replicante.

Vivendo fora da big city a gente muda o olhar. Não tem nada a ver com bom ou ruim, isso existe em qualquer lugar, mas é fato que ao sair da zona loka a Natureza refina o filtro e a gente passa a perceber certas paradas. 

A vida sempre me pareceu uma cornucópia de onde brotam casos e eventos dignos de nota. Mas o que mais me move (ou comove) são as interações. A troca de vibes e ideias é o que, penso, há de mais brilhante neste mundo encarnado. Porém, a coisa toda demanda pessoas plugadas; gente que está mentalmente aqui, neste exato e preciso momento, e que ao mesmo tempo não orbita em torno do próprio umbigo. Gente que navega, mas não é virtual. Olham nos olhos, ouvem o que você diz e dizem o que realmente sentem. Mais, até: pessoas que sem dizer nada, sem que você tenha que dizer nada, escutam tudo e te dizem tudo num abraço. 

Eu abracei e ganhei abraços desse tipo de muitas pessoas nesses últimos dias em Sampa. Dos adultos todos eu vou contar histórias adiante, porque todos me deram coisas pra sentir e contar. Interagi com pessoas absolutamente lindas. Mas o que me fez sentar pra escrever primeiro foram os abraços de Isabel. 

Antes de tudo, é bom dizer: eu não sou, absolutamente, uma deslumbrada com crianças. Na maioria delas não detecto nada lá muito interessante, posto estarem, quase todas, totalmente programadas pela tv e afins. Portanto, em geral, acho criança um troço meio mala, na contra-maré contemporânea de endeusar qualquer ser abaixo dos 18. Bom, eu to sempre na contra-maré, querendo ou não, modos que dane-se.

Mas Isabel é outro babado. É um ser que genuinamente pulsa afeto e curiosidade pela vida. Desprovida da acidez da desconfiança habitual de quem tem que esgrimar numa cidade pirada, evidente que ela transparece a proteção que recebe, mas esse foco de celebração anímico é algo lá dela. O que eu vi é que ela veio pra relembrar ao mundo a visceralidade do afeto e da confiança. Ela simplesmente emana a mensagem de que a trolha toda vale a pena, ponto.

A maioria dos tarólogos, pelo que leio por aí, não gosta muito da Temperança, enquanto eu gosto muito (a contra-maré, pois é). Também não sei se a mãe dela, taróloga de alta casta e que respeito e gosto demais, vai torcer o nariz, mas é isso que vi Isabel cintilar: o afeto iluminador do acolhimento pacífico desse arcano. 

Não porque ela me abraçou tão completamente sem me conhecer, mas porque ao fazê-lo eu me vi literal e magicamente transportada para um oásis suspenso no ar, onde naqueles segundos eu era querida apenas por ser e podia querer bem porque sim. Nesse lugar não tem relevância a gente ser gorducha, descabelada e socialmente bipolar, nem se a gente é tão jeitosinha que chuta a mesinha de centro quando cruza a perna. Ali, só uma coisa é decantada: o valor da alma, o valor do polimento da alma. 

Porque pra isso estamos, pra isso viemos. As deturpações alucinadas que disso fizemos são coisa da gente ter se estrepado, perdido e sofrido, gerando um loop pentelhíssimo, quando não nocivo. Mas não é isso o que nos define, nem é o lugar pra depositar nossas fichas. Viemos pra exercer o melhor de nós e pra nos estimular a ser isso, não pra mutuamente nos impedir de ser. A vida não é uma fucking gincana. A gente precisa, simplesmente, parar de ser indulgentes com a loucura, nossa e alheia.

Isabel e seu abraço absoluto, literalmente sideral, me relembrou a frase que um dia ouvi da minha mãe e é a frase da Deusa, a mensagem primordial da Vida; é o recado angelical que resume e sussurra: você é ótima. 

Isabel é ótima, eu sou ótima, somos todos ótimos, enquanto pudermos lembrar de abraçar e receber abraços desse jeito luminar. 

Isabel será muitas coisas boas, mas prevejo que antes de qualquer uma delas será sempre a terapeuta do acolhimento que já transparece ser. Eu tive o privilégio de ganhar isso agora. E ainda estou grata e encantada.


* * * * * * * *


Em tempo: o blog da fofa da mãe está out, modos que não tive como checar se Isabel é com S ou com Z. Arrisquei o S, qualquer coisa corrijo.


















quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Do fundo do poço às luzes do tarô



Sabe aqueles momentos em que você está no fundo do poço e não vê saída? (Não sabe? Good for you, mas vá ler outra coisa, porque isto aqui é para quem já viveu ou vive o escuro do túnel. O fim da corda. O cu da Marieta. Enfim: o fundo do poço. E é longo, porque quem tá no fundo do poço gosta de falar com quem o entende, mas, claro, você não sabe disso.)

Então. Excluindo o luto, que é um escuro muito específico, e as patologias psiquiátricas, fundo de poço acontece a intervalos irregulares na vida de qualquer um. É mais comum do que se pensa e é fácil de detectar. Tem falso fundo de poço e, em geral, é só mimimi. E também tem placebo de fundo de poço, que até é escuro e tals, mas na real não pega nada.

Fundo de poço papo sério é quando a vida terrena embica na parede e, ao mesmo tempo, a alma vai tomar um café. O ego fica, então, sem guia, batendo na parede feito clone com defeito, até que a pilha acaba e a gente simplesmente… desiste. Desiste de pensar, de tentar, de procurar, mas, principalmente, desiste de sentir, porque sentir dói. A pessoa acorda e pensa: Pra quê levantar? Levanta e pensa: Mas pra quê tomar banho? Toma banho e pensa: E pra quê me arrumar? E, realmente, não se arruma. Dizem que parar de tomar banho é o maior sinal do fim da corda, mas eu digo que o último sintoma de que você bateu no fundo do poço é se lixar para os trapos que veste (excluindo os que se vestem de trapos por gosto ou por necessidade, evidente). Ficar sem banho é um adereço.



Enfim, a pessoa põe algum figurino condizente com fundo de poço (calça mole com elástico vencido, meia furada, você sabe), faz um café e chora. Deita no sofá e chora. Olha pela janela e chora. Num arroubo de energia fugaz, se arrasta para a frente do computador, dá uma olhada no face e aí chora pra valer.

Na rede, todo mundo está comemorando algo. Viajando. Recebendo amigos. Concluindo cursos. Dando beijo. Tendo filhos. Vociferando em causas. Recebendo parabéns. Jantando fora. Dizendo coisas absolutamente cretinas como: “Você faz o seu destino!”, como se isso não fosse um paradoxo. E rindo, que todo mundo ri muito no face. Na internet, a vida é linda. E tá lá aquele monte de gente garantindo isso, comprovando isso e testemunhando que se você não está feliz, você fez uma escolha: a escolha de ser infeliz. E a pessoa no estágio fundo de poço se vê excluída dessa tal vida. Todo mundo tá feliz, feito música da Xuxa, menos ela. E ainda por cima a culpa é dela, porque ela não fez seu destino; ela escolheu ser infeliz.

Vamos parar com esse absurdo monte de bullshit, por gentileza?

Ninguém – absolutamente ninguém – em sã consciência escolhe ser infeliz, tenha a santa paciência. E ninguém “faz seu destino”, porque ou é destino…

(destino1
des.ti.no1
sm (de destinar) 1 Encadeamento de fatos supostamente fatais; fatalidade. Circunstância favorável ou adversa às pessoas etc 3 Fado, sorte. etc)

ou é uma ação deliberada do indivíduo. Tendeu? Fatalidade, sorte, circunstância – destino é isso. E não, você NÃO faz isso. Você PILOTA o avião, mas NÃO MANDA NOS VENTOS, dá pra entender ou quer que eu desenhe? Sim, a maior parte do caminho se faz pilotando, ou, ao menos, boa parte dele. Porém, sinto lembrar, há algo a mais que independe da sua vontade. O destino insere eventos, fatos ou circunstâncias sobre as quais você não tem controle. Se assim não fosse, o arcano X, a Roda da Fortuna, seria uma irrelevância. E nada no tarô é irrelevante, ponto.



Quando o Imponderável interfere na vida, você pode lidar com as consequências disso; pode manobrar o depois. Mas não pode determinar se, como e quando o Imponderável interferirá. Sorte é curriculum.

O fato é que alguns movimentos da vida podem, sim, te jogar no fundo do poço por razões diversas, incluindo aí o acaso e o lema “Shit happens” (e isso não é culpa sua. Culpa é um conceito reservado aos seres do Mal. Você é do Mal?) Se assim não fosse, o arcano XVI, A Torre, seria mais uma irrelevância. E nada no tarô é irrelevante – falei isso já? Então.

Todo o meu olhar sobre o tarô se comprova empiricamente, devo dizer. Modos que eu trabalho com a teoria sobre cada Arcano Maior, mas unida à minha experimentação pessoal e profunda de cada um deles. Alguns já foram vividos até o talo, outros menos, mas conheço seus efeitos na pele e na vida, minha e de outros, e para além dos livros.

Minha observação sobre os momentos fundo de poço abrangem vários arcanos e só uma leitura apresenta as sutilezas de suas diferenças, mas o fato é que, no passar da régua, o grande lance, o cerne da questão mesmo, é a revelação de quem você é. De quem você realmente é diante da falta de algo que sempre foi ou pareceu essencial. Porque, de novo, sinto lembrar, a gente não encarna para ter 1000 amigos na rede ou para comprar Porsches. Sim, isso aí é super fun, mas a gente não encarna para ter e sim para ser (credo, o Fromm virou no túmulo agora, mas enfim.) No entanto… NO ENTANTO…

NÃO é uma gincana. Não é um concurso para checar quem é melhor ou pior. Do ponto de vista espiritual, psíquico ou humano mesmo, diria, TANTO FAZ se você é do tipo que dá a volta por cima ou se é daqueles que rastejam na lama, desesperados, até que alguém os resgate. Não há virtude alguma ou desabono algum em qualquer dos casos. Não tem ninguém marcando o score, sabe como?



Tombos servem para que a gente olhe no espelho; para aprender como acolher a si mesmo, incondicionalmente, e, em seguida, para ver se e como podemos… ser. Sim, porque pode não dar tempo para exercer a si mesmo aqui na Terra, olha só. Minha mãe teve altas iluminações sobre desperdícios e perdas de tempo, poucas horas antes de morrer, modos que não deu tempo para ela aplicar o que percebeu. Porém, eu assisti a tudo isso e vi a liberação profunda que se segue ao primeiro movimento de arrependimento. Ela acontece, só digo isso.

O babado da vida, a meu ver, é a descoberta de si mesmo e a autoaceitação. O engano fatal, tão difícil da gente abrir mão, é achar que o objetivo humano é “vencer na vida”. Noves fora, embora todo mundo goste de florear a coisa, trata-se de “ganhar uma grana”, mesmo que você seja, em essência, um tremendo hippie afins de mochilar mundo afora, ou uma pacata pessoa, que curte mesmo ser caixa do Bradesco e ter uma vida sem grandes agitos. E onde ficam os monges, os eremitas, Gandhi e os moradores de rua? Um bando de fracassados, na cabeça da maioria das pessoas, acho. E, quando a gente pensa assim, está a um passo da eugenia. Melhor repensar isso aí.

Eu, a cada tombo, aprendo mais sobre minha sombra. Todo mundo fala nisso hoje em dia; virou carne de vaca “reconhecer a sombra”. Mas a verdade é que sombra é foda. Sombra é aquela parte nojenta, grotesca, podraça mesmo, que todo mundo esconde lá no fundo do armário (e do poço, naturalmente). No entanto, quase todos nós dizemos que sabemos disso, mas, no fundo, somos crianças pensando que os amiguinhos são, sim, uma porcaria. Nós? Never. Mas somos, tá? Podraços e grotescos e nojentos. E maravilhosos, amorosos e sensacionais. Somos tudo junto e isso, sim, podemos escolher: equilibrar esses troços todos ou deixar a balança ao vento, ora sendo luminares, ora podrando por aí.



Rejubilar-se sob o Sol é mole; entender o escuro e a função do seu silêncio é para quem não nasceu para sentar no pudim. Não, não é divertido, mas a iluminação do Enforcado, sua santidade quase, diria, advém do ser eleito. A muitos isso é dado, mas poucos têm culhão para perceber e absorver o poder do fundo do poço.

Quando nele estiver, saiba que sim, é um pé no saco, mas – pasme! – pare de tentar sair dele. Interaja apenas com amigos fortes e mudos; saia das redes tantalizantes; desligue a TV; durma, leia besteiras, chore, espere. Você está em transformação e não é seu ego que comanda isso. Se parar de se estabacar nas paredes, feito peixe no anzol, e se entregar; e se esperar que o silêncio na mente abra a voz do seu ser mais elevado, então, no seu ritmo, entenderá algo fundamental a seu próprio respeito e será resgatado.

Como eu sempre digo sobre o Julgamento, reflorescer é abrir novas flores numa planta já existente. Se não confia, neste momento, na Vida, confie em mim. A ressurreição acontece. Subir e descer, morrer e renascer. Faz parte. Relaxa aí.




segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Plágio, roubo e personalidade.




Você escreve um texto sobre xis assunto e dias depois vê um colega falar sobre o mesmo tema. Aprecia o fato de ter dissertado sobre algo que se prova interessante, ou fica irritado porque fulano "te copiou"?

Você aborda um assunto de xis jeito e na semana seguinte um cara usa a mesma abordagem para um tema similar. Fica grato porque sua forma de ver as coisas está sendo acrescentada à visão dos colegas, ou acaba num tremendo mau humor, porque sicrano roubou sua ideia?

Sincronicidade é constatar que algum assunto está rondando várias cabeças ao mesmo tempo, sem que ninguém tenha conhecimento da produção dos outros. Isso acontece e é natural, especialmente, penso, em se tratando de profissionais ligados aos estudos esotéricos e afins. Já o roubo é copiar você literalmente, enquanto o plágio é fazer algo essencialmente parecido, pegando carona no sucesso alheio, ou então mudar algumas coisas do original, só para parecer que não copiou. 




Ontem, conversando com Emanuel J Santos, um cara super experiente e ético, concordamos que o ideal, na maior parte das situações desse tipo, é apenas deixar rolar. O que te pertence, te pertence; a mediocridade de quem rouba fatalmente transparecerá. Porém, nem sempre é fácil ser maduro ou magnânimo quando se perde tempo e energia construindo um texto ou procurando ideias e, logo depois, ver alguém folgadamente apenas usando o que você desenvolveu. 

O mundo virtual expandiu demais essas possibilidades (na verdade, diria mesmo probabilidades) e está cada vez mais difícil deter a autoria das nossas ideias e produções. E, numa era essencialmente marketeira como esta, é natural que a gente se preocupe em enraizar um nome ou fincar uma marca, para não desaparecer na miríade de produções individuais que inundam a internet. Mas... O que faz algo "pegar" ou não?

Todos nós estamos sujeitos a perder a cabeça diante de um roubo ou plágio e, sendo um tanto pavio curto, particularmente acho que há casos que devem ser, sim, apontados publicamente. Mas, no geral, a verdade é que o que dá poder genuíno a uma produção é a personalidade por trás dela. O que realmente fixa a conexão entre o que você produz e quem recebe isso é... você. Sua pessoa, unica e inigualável. Assim, se o que você produz for fruto de quem você realmente é, isso criará raízes e se esparramará feito batatinha quando nasce. Sim, eu sei: talvez demore, talvez seja temporariamente ofuscado pelo falso brilho dos imitadores, mas acabará por ser reconhecido, justamente por ter fonte sólida e não ser apenas um holograma fugaz. 




Quem cria com essa autofidelidade e sem subjugar sua produção aos outros (seja em relação às opiniões ou às possíveis cópias) é alguém capaz de continuar criando indefinidamente. E a vantagem fundamental é que sempre será automaticamente original, por paradoxal que isso soe.

Já quem copia é um eterno prisioneiro dos outros, sempre raspando o bico nas ideias alheias, feito um abutre ou um rato, em vez de abrir seu próprio caminho. E quem, assim, atrela seu Carro a um Enforcado tem destino certo. 

Mesmo você, que não conhece o tarô, consegue intuir qual seja? Sei que sim.







quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Você tem medo do tarô? Te conto um pouco da minha história e talvez isso mude.



O medo dos oráculos, penso, vem dos tempos em que eles eram voltados mais comumente para predições de futuro. Como não ter medo de alguém que diz enxergar o que você mesmo não vê e que ainda por cima pode te avisar sobre sofrimentos que você, adiante, fatalmente sofrerá e contra os quais nada pode fazer?

Eu já li dessa forma, na linha "Madame Soraya". Joguei com o baralho comum a partir dos 12 ou 13 anos, tirando literalmente "do nada" os significados de cada carta, evidentemente sob a ótica adolescente, mas fazendo predições. E acertava, senão todas, a maioria. Parei aos 18, justamente porque não vi sentido nessa forma de leitura. Ao me deparar com uma dessas predições terríveis, muito específica, que se comprovou adiante, porém sem que eu nada pudesse fazer para impedir, concluí que era uma coisa muito imbecil para se fazer na vida. Adiantar a angústia? Para quê, se não servia para minimizar ou impedir o evento doloroso? Quebrei um tremendo pau com o Invisível e parei de ler.



Conheci, nessa época, uma senhora que jogava búzios e literalmente via flashes do futuro. Minha vida girava entre literatura, psicologia e jornalismo e eu romanticamente sonhava em ser escritora, mas ela me disse (dentre outras coisas): "Não. O que eu vejo, eu não sei o que é. Mas vejo televisão e gente, muita gente. É isso aí: televisão e muita gente. Escrever? Mais tarde, beeem mais tarde". Um ano depois, sem que isso jamais tivesse sido uma opção antes, eu me vi trabalhando numa produtora de cinema publicitário, em seguida virei produtora de elenco e foi com isso que trabalhei durante 30 anos. E, sim, "televisão e muita gente" é uma excelente, sofisticada até, visão "nostradamiana" sobre quem faz produção de elenco para comerciais de tv. Era algo tão distante de seu mundo que ela não teria como inventar e, além disso, algo que não serve para qualquer um (e não existiam computadores, Google, nem facebook para ela xeretar, é bom lembrar...). E, sim, escrevi ao longo da vida, mas só fiz um livro inteiro e o apresentei ao mundo por volta dos 50. Ou seja, realmente "beeeem mais tarde".



O que aprendi de fundamental com essa experiência, e que fui comprovando, é que o dom dessa senhora é raro, muito raro mesmo. A gente tende a ouvir o que quer e, em geral, a gente quer que o cartomante acerte, então tende a dizer "Ah, fulan@ acertou tudo!", mas não é a real. Eu tenho mente e ouvido críticos e sei, na pele, o que é prever algo realmente, então frases vagas não me convencem. O cerne de um acerto de previsão mora em palavras-chave. Limpe os rococós que servem para qualquer um, areje o que vem sujo pela mente racional e fique com o que soa feito oráculo grego, mesmo que você não o entenda. Se isso se comprovar adiante, você encontrou alguém que tem esse dom. E, ainda assim, o dom é instável, ele pode aparecer claramente numa consulta e não se apresentar em outra. Isso não é culpa de quem leu. O resto de nós apenas lê um instrumento que demora tempo paca para aprender e que se continua a estudar vida afora, feito aprender chinês ou alemão. E bateção de carteira é fácil de perceber. É aquele povo que diz "Vejo você rodeado de forças do Mal, mas posso dissolvê-las por meros trezentos reais" (ou mil, sei lá). Forças de todo tipo, se e quando agem, tem potência mesmo é internamente e não são "desfeitas" só porque você paga alguém para desmontá-las, assim como neuroses e afins psíquicos não "se resolvem" apenas porque você paga seu analista.

Conheci, nas andanças esotéricas, uma outra mulher, que lia do jeito mais louco que já vi: usava uns 4 baralhos diferentes, todos misturados, e ia colocando rapidamente cartas sobre a mesa, ao mesmo tempo em que falava sem parar. No meio de tanto blablablá, de repente ela enxergou, sem eu abrir a boca, com riqueza de detalhes, uma experiência minha passada, extremamente maluca e dolorosa e que absolutamente não é comum. Porque aquilo ainda vibrava dentro de mim, ela a viu em destaque. Seria inútil se ela apenas a descrevesse, mas, ao vê-la, ela também enxergou a razão de eu tê-la vivido. Não dissolveu a dor, mas me deu amplidão para lidar com a questão (e isso, sim, foi dissolvendo a dor). Quanto ao que ela viu no futuro, não poderia ter errado mais. O risco está em que, por "acertar" tão bem algo que já foi, o cliente tende a engolir o que ela disser sobre o futuro sem questionar, mesmo quando essa predição não acontecer. O dom genuíno e luminar dessa cartomante está na clarificação do passado, um dom raro e belo, mas que não atrai os clientes que querem o prêt-à-porter do viver. Não seria seu melhor marketing e todo mundo tem condomínio pra pagar, ok, dá para compreender.



Por volta dos 28, num dos meus surtos do Arcano Zero ( é o Louco, tá?), larguei o que fazia e fui ser secretária numa escola de Astrologia. Aprendi direitinho o básico, até a hora de estudar mais adiante. Fiz o que pude, mas aquela coisa de sextil, quincucios e conjunções me dava sono. Aprender aquilo destruía o que eu tinha aprendido antes. Eu olhava um mapa e sacava coisas; pescava coisas. Eu entendia Marte e Vênus, Saturno e Urano, tudo ok: eram como se fossem pessoas que eu reconhecesse. Apaixonei-me por Quíron e pela Roda da Fortuna, até, mas semissextil crescente...please. Meu mestre forçava a barra. Astrologia não era coisa de cigana de rua, para ficar "pescando" coisas, oras. Ok, mas então eu me desinteressei.

Na mesma escola começou um curso de tarô, eu ouvi um pouco e percebi que havia outra forma de usar as cartas. Não era obrigatório prever o futuro! Era possível ter um outro olhar, um olhar para dentro e não para fora. Um olhar que podia nos ajudar a entender que forças psíquicas estavam agindo e como lidar com elas - aqui e agora. Fiz o curso, encantada, e nunca mais parei de estudar essa ótica tão bem apresentada no livro "Jung e o Tarô", de Sallie Nichols. Também nunca mais consegui deixar de intuir, na vida prática e nas pessoas, a presença dessas vibrações. E pude somar a isso o meu jeito de ser e de ler, intuitivo, pescando coisas, sacando coisas.



Eu nunca faço predições? Mentira. Para mim, existem certos pontos que se apresentam pré-desenhados na mandala da pessoa. Às vezes eles são claros e, se ajudam o cliente, faço predições sim. Mas só alerto para coisas complicadas se enxergo, na leitura, que é possível agir para minimizar isso, mesmo porque aprendi a bloquear as predições de outro tipo.

O meu foco é no resgate da confiança, na recuperação da energia, na renovação do entusiasmo, na reestruturação do amor incondicional por si mesmo e pela vida. Eu olho o ser presente somado ao que vem logo ali, mas um "logo ali" sempre em decorrência do que escolhemos agora. O passado precisa de adequação, precisa ser integrado à condição psíquica presente e posto no seu devido lugar, mas ele já foi, não podemos mudá-lo. Se o tarô me apresenta essa possibilidade, ótimo, ajudo a adequar esse passado. Já o futuro é feito da soma das nossas escolhas e do imponderável. Se não podemos mudar o mistério do imponderável, podemos reaprender a escolher os passos que damos agora e podemos entender quando é hora de pilotar, quando é hora de copilotar e quando é hora de apenas se deixar levar.

O cerne do medo de procurar as cartas está na permissão da visita. Ao procurar um oráculo estamos permitindo que alguém nos veja para além da persona, do escudo da fachada. É ficar disponível a que outro possa ver nossa dor, nossa alegria, nossa ingenuidade, nossa malícia, nossa luz e nossa sombra. Como tantos temem a psicanálise, acredito que o medo instintivo de que nos vejam por dentro vem do medo da rejeição, ao sermos vistos como integralmente somos.



O que acredito que o público que desconhece o estudo esotérico precisa saber é que um bom oraculista não julga. Quem estuda isso a sério, ao menos na hora de ler, coloca-se acima dos julgamentos moralistas terrenos. Do meu tarô, ao menos, eu garanto: você não vai receber lição de moral, não vai ouvir que erra porque é uma besta quadrada, nem que o momento ruim que eventualmente esteja vivendo não tem solução e azar seu. Do meu tarô você vai receber clareza para entender o que está havendo, como você está se colocando diante de xis questão, o que você está esquecendo de cuidar, o que está te favorecendo e que você pode alimentar, que sugestão de caminho o tarô te dá e para que lado a coisa tende a ir, dependendo do que você decidir escolher. Mas também vai aprender a escolher com base em algo seu realmente importante, em vez de apenas patinar no eu-quero-porque-eu-quero.

Além disso, na maior parte das vezes, também vai acabar rindo bastante, porque eu sou essencialmente irreverente, naturalmente amoral, instintivamente acolhedora e porque acredito no riso como ferramenta luminar.

E agora, depois disso tudo, perdeu o medo e quer experimentar?


Esqueci de copiar os links das imagens, mas prometo que caço tudo de novo, se alguém se ofender.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

O poder do indivíduo sensível

http://nigeriarealestatehub.com/foreign-artisans-send-home-n900bn-from-nigeria.html/

Este texto é para quem, às vezes, se perde. Para quem, em alguns momentos, sente tanta tristeza que pensa que não vai poder prosseguir; ou para quem chora de repente, tomado de emoção intensa, sem saber bem por quê. Falo, aqui, para quem por vezes não vê mais sentido algum em apenas continuar acordando, day after day. E que, no entanto, acorda. E que, no entanto, de repente se refaz. Falo para quem de vez em quando sente o astronômico peso da sombra do mundo e de si mesmo, mas que, ainda assim, nunca, jamais, deixa de perceber o estrondoso brilho benéfico que a isso naturalmente se contrapõe. Se você acessa esses momentos sombrios, mas é capaz de se reerguer apenas pelo valor do lado luminar, isso não é depressão, nem demanda pílulas. Isso é apenas a soma de uma natureza artística, sensível, aliada ao dom da percepção da realidade. 


http://social.yourstory.com/2013/06/how-government-private-sector-and-non-profit-entities-are-supporting-indian-artisans/

A gente tem que colocar algum parâmetro, só para não ter que remontar até o tempo em que só havia o Verbo, então vamos dizer que desde a Revolução Industrial o ser humano vem tentando padronizar tudo. O leite, os ovos, as roupas, o material escolar, os comportamentos. Padronização é coisa que assegura (em teoria) alguma defesa contra nossa própria tendência ao caos. Um bando de zebras convive num Anarquismo ideal. Já bandos humanos em dois palitos transformam tudo em baderna e provavelmente (ainda em teoria) exterminam-se mutuamente até restar um único idiota que acaba se matando por medo da solidão. Sim, porque o que Jung chamou de "branco europeu" parece ser burro a esse ponto.

Porém, padronizar busca um produto final "perfeito", eliminando os "erros" da inconstância humana. Assentar regras e igualar execução faz com que todo produto seja igual.  Evidente que teríamos que abrir mil latas de ervilha e ver se todas contém exatamente o mesmo número de grãos, mas a ideia é que elas têm. É o que faz você comprar qualquer uma delas, pois são todas iguais. Antigamente, você compraria ervilhas frescas a granel, o vendedor pesaria o produto e você levaria quanto quisesse e pudesse pagar. Mas isso não dá tanto lucro quanto fazer produtos que nunca contém o suficiente, fazendo com que você sempre tenha que comprar mais um e depois ficar com aquele tupperware segurando restinhos pentelhos, mas isso é outra história.


http://wtffunfact.com/post/87127330142/technocracy-movement-replace-politicians-with-scientists

O grave problema da ditadura da Tecnocracia (e ela é um movimento que apareceu, morreu e ressuscitou a milhão, não se engane) é que se você entrega o governo do mundo a um técnico ele criará um mundo técnico, isento de inconstâncias humanas. Funciona muito bem para regrar o metrô, ou programar faróis de trânsito. Na verdade, funciona muito bem para quase tudo, não fosse o detalhe de não deixar lugar para o real ser humano. A menos que você adore uniformes, ter cada passo seu pré-determinado e viver como uma máquina que apenas funciona, sem nada sentir, o mundo em estamos nos tornando é intragável. Para os que, dentre nós, tem natureza artística, e somos muitos, muitos mais do que apenas os expoentes ou famosos, este mundo tecnocrático está sufocantemente insuportável. 

Mas acho que o perigo maior está em se deixar enganar, ao permitir que esse mundo aparentemente perfeito nos faça pensar que os errados somos nós. E, pior, que não temos chance contra isso.


http://www.thesweetestoccasion.com/2010/02/homemade-jam-recipes-diy-jam-jar-labels/

Os amantes da Tecnocracia querem nos fazer crer que o mundo regrado em cada linha, lotado de brinquedos tecnológicos, apresentando criancinhas creepy fazendo coisas impressionantes feito coisa de circo (como se um Mozart tivesse sido pouca porcaria), aplaudindo o transhumanismo (vá pesquisar; é de cair o queixo), destituindo o valor do tempo e da experiência, apresentando moradias com 18 metros quadrados como algo genial e gerando hordas de semi-espiritualidades que papagaiam coisas que as pessoas nunca aplicam na própria vida, bem, querem nos fazer crer que isso tudo é algo bom, belo e humano. O melhor dos mundos possíveis. Não é. O mundo muda sempre e, desta vez, essa é a nova onda, ok. Mas não é belo, não é bom e não é humano. 

E os que percebem a destruição do valor da individualidade, que percebem a perda da delicadeza que o toque pessoal dá a cada criação, tornando-a única, que percebem a ausência de arte nas produções em massa, que percebem a gelidez que insidiosamente vai possuindo o ser humano, esses sofrem, sim, como sofreram os artistas em todas as pseudo-evoluções anteriores. E somos nós, seres sensíveis, os que ainda criam esferas de cultura verdadeira, oásis de troca interpessoal de qualidade e espaços de contraponto a essa sombra que pretende dar um golpe de estado.


http://littlewoollie.blogspot.com.br/2013/05/crochet-star-making-tutorial.html

Portanto, se você é um desses que às vezes acorda chorando e sentindo tão claramente o peso da Besta, saiba que você, surpreendentemente, consegue se reerguer porque é pra isso que ainda aqui está: para rir da imensidão sombria apenas por fazer um livro bonito, uma almofada de crochê, um pote de geleia caseira que nunca é igual ao anterior, um grupo de dança, uma troca inteligente de saberes, um almoço amoroso para familiares ou um puro, simples e honesto acolhimento a quem de vez em quando cai.


http://www.writingforward.com/writing-tips/the-22-best-writing-tips-ever

O poder de frear a "deshumanização" e a massificação ditadora está, simplesmente, em alimentar a própria sensibilidade e em produzir o que só você sabe fazer e que é tão especial, porque você é único.

Patricia Fox https://www.youtube.com/watch?v=IE4ZPZJ2snA







segunda-feira, 29 de junho de 2015

Sobre a sombra d'O Imperador e seu orgulho imbecil


http://www.tamu.edu/faculty/ccbn/dewitt/lwpenningtonfiles.htm


As cabeças retrocederam para o julgamento "moral" dos anos 50. Estou só esperando para ver o ressurgimento do Macartismo descarado, pelo andar da carruagem. No facebook pessoas entram em confrontos (confrontos, não debates saudáveis) sobre absolutamente qualquer estupidez e alguns deles resultam em brigas que se estendem à vida real. É assustador ver a confusão mental geral. Quem opina já é visto, a priori, como um metido, porque toda opinião passou a ser um julgamento e julgamento tá fora de moda, segundo certa confusa falange. Mas quem não opina é um em-cima-do-muro e também está sujeito a levar tomates e ovos podres. É o caos: uma Babel rediviva, induzida por quem realmente ganha com isso, o que é coisa que poucos percebem. Monik Ornellas acaba de postar um texto justificadamente irado a respeito dessa patrulha generalizada no seu blog, Bitola Humana. Endosso e colaboro com um aqui também.


http://www.historyplace.com/worldwar2/hitleryouth/hj-prelude.htm

Quando você, feito um espartano prepotente, se sente melhor que o outro porque ele fuma, ou bebe, ou usa crocs, ou é fashionista, ou é gay, ou não é gay, ou é low profile, ou é pró-ativo, ou é da posição, ou pró oposição, ou é a favor do sertanejo, ou só curte rock, ou é gordo, ou é magro, ou é realista, ou é um iludido - a lista não tem fim - bem, quando você se sente acima do outro por qualquer dessas premissas, o que vai de errado são duas necessidades que, a meu ver, transparecem: uma, a necessidade de se sentir mais que o outro, o que já indica quão "por baixo" essa pessoa na verdade está. A segunda é a urgência quase histérica de encontrar referenciais externos e/ou grupais para saber o que pensar. Ao categorizar a si mesmo como "Sou da turma anti umbanda, mas também sou da turma neo feminista, e sou da turma pró pagode" etc etc etc, esse ser, então - e só então - passa a saber o que dizer e como agir. É como ter uma mente em branco, que só integra conteúdo dependendo do que o grupo da vez ditar. Creepy, para dizer o mínimo.

Esta era de dissoluções por si só já deixa a muitos sem âncora, sem lastro, mas o conversê virtual, quando é superficial (e na maior parte das vezes o é, já que a maioria das pessoas não sabe se expressar escrevendo e por isso morre de preguiça de elaborar bem uma ideia), inclui o risco de também nos deixar infantilizados, ou melhor: "adolescentizados". Não por nada há a tendência, nas redes sociais, à busca frenética por fazer parte de tchurmas:  "gangues", turminhas, grupinhos coesos (até segunda ordem...) e veladamente (ou descaradamente) violentos no seu discurso. Exatamente como quando entramos na adolescência, onde tudo que sentimos é sempre cabal, intenso e passional e precisamos de um grupo que endosse isso. 


http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/02/308778.shtml

Aos doze ou quinze anos isso faz sentido: estamos procurando saber quem somos e, nesse movimento, renegamos tudo que há para além da nossa idade e do nosso exato instante, desde nossos pais até a sociedade e seus valores ou atribuições. Na adolescência, essa é uma contraposição natural e necessária na pesquisa e formação de nós mesmos como adultos. Por isso mesmo é estranhíssimo ver, no mundo virtual, pessoas de 40, 50 anos e mais, retrocedendo no que já deveria estar muito mais enraizado a essa altura do campeonato: a aceitação das diferenças, o entendimento de que da diversidade nasce a vida e o conhecimento de que nada, no mundo, é tão cabal nem tão definitivo e que a inflexibilidade é coisa de quem ainda não viveu muito. Em pleno terceiro milênio, então, assistir a essa sombra d'O Imperador, quando na rede alternam-se posts de fadas palpáveis, feitas a laser 3D, com receitas de xaropes das bisavós, é algo de pasmar. 


http://www.cllrdenselow.com/responses-to-gang-culture-the-need-for-localised-strategies/

Deveria ser evidente essa impossibilidade das coisas serem de um único jeito, diante do mix que hoje vemos entre o novo e o velho e das resultantes disso, algumas péssimas, sim, mas outras brilhantes, como tudo desde que o Mundo é Mundo. Entendo a resistência geral em querer manter tudo igual, em querer que todos sejam iguais, como se isso nos defendesse do ruim, uma herança judaico-cristã do aprisionamento ao velho e às tábuas da Lei como defesa contra o discurso sedicioso diabólico; é quase uma variável do "ri no sábado, chora no domingo", mas, convenhamos, é uma piada querer manter essas ideias em tudo, depois de certa maturidade. E eu não sou nenhuma santa perfeita, longe disso. Já me envolvi em bate-bocas homéricos na rede, feito uma besta de 13, como quase todo mundo. Mas parei para pensar em quem realmente sou e não em quem a rede parece querer me empurrar a ser e puxei o freio de mão. Opino, concordo ou discordo e, sim, rebato agressivamente quem entra em post meu sem educação, porque eu adoro debater até a cor da unha dos anjos, mas detesto gente folgada e cuja escrita revela essa folga. That's me. Há quem prefira passar batido, o que por vezes é mais sábio, mas aí não sou eu. O fato é que tudo no mundo - tudo mesmo, incluída aí a rede social que veio para ficar - pode servir de ponto de reflexão sobre nós mesmos e é isso que serve como ponto de partida para sermos melhores seres humanos. 


http://depts.washington.edu/chinaciv/clothing/11maosui.htm

Seria infinitamente melhor e mais producente se esse povo que está tão a fim de patrulhar, policiasse, antes, a si mesmo, em vez de assumir sua porção Dona Cotinha na janela, polvilhando regras à rodo e pretendendo determinar como se deve ser, falar, vestir, agir, pensar, amar e ser. Ou, confusão das confusões, passando a determinar que opinar não é legal, faça-me o favor!... Essa ilusão neurótica de poder controlar cada pena de pássaro é patética e seria risível, não fosse o fato de que grandes horrores já se abateram sobre a humanidade, perpetrados por gente que pensava exatamente isso: que podia controlar e adequar cada pedra de rio, cada palha de feno e cada ser senciente ou consciente. E exterminando a liberdade de opinião. 

Portanto, tenhamos mais cuidado, porque a fervura está no ponto, seja para um retrocesso destruidor, seja para um avanço liberador. E. para este, a autonomia ideológica e filosófica será fundamental, determinante mesmo.